Quais os riscos de conflito na Europa se transformar na Terceira Guerra Mundial?

Em entrevista ao GLOBO, o ex-subsecretário de Estado dos EUA para o Hemisfério Ocidental, Thomas Shannon, afirmou que 'a Rússia ainda tem um poder global significativo e isso deve ser entendido'.

Quais os riscos de conflito na Europa se transformar na Terceira Guerra Mundial?
Membros das Forças Armadas ucranianas ao lado de um sistema de mísseis montado em tripé próximo à cidade de Kharkiv, na Ucrânia Foto: Maksim Levin / Reuters

O mundo ainda não está à beira de uma terceira guerra mundial, mas os riscos são enormes e o ataque da Rússia à Ucrânia obrigará a comunidade internacional a levar mais a sério a posição e as demandas do presidente russo, Vladimir Putin. Essa é, no momento, a avaliação de diplomatas, ex-chanceleres e especialistas em crises globais.

Em palavras do ex-subsecretário de Estado dos EUA para o Hemisfério Ocidental, o embaixador Thomas Shannon, “estamos enfrentando uma crise de segurança no centro da Europa e as ações agressivas da Rússia deixaram claro que suas preocupações sobre sua própria segurança são mais importantes do que suas relações com os Estados Unidos e a União Europeia. A Rússia determinará, com suas ações na Ucrânia, os tempos e os riscos”.

— Ainda não vejo uma terceira guerra mundial. Mas teremos enormes tensões de segurança na Europa — disse Shannon, que também foi embaixador dos EUA no Brasil, ao GLOBO. — Os EUA e a Otan tomaram a decisão certa de não transformar a Ucrânia num campo de batalha. Mas a Otan deverá repensar seus propósitos, e a UE também. O que estamos vendo deve lembrar que a Rússia não pode ser esquecida e que ainda tem um poder global significativo. Isso deve ser entendido.

Ele acredita que os EUA e seus aliados não se envolverão diretamente no conflito, mas sim fornecerão armas e apoio logístico às tropas ucranianas. Shannon e outros especialistas acreditam que a ofensiva de Putin se limitará à Ucrânia. O presidente russo é visto como um estrategista cauteloso, que avançará até onde puder se defender com sucesso.

Em Santiago, o ex-presidente chileno Ricardo Lagos (2000-2006) concordou e mostrou-se profundamente revoltado com as ações do governo russo:

— Não acho que estejamos à beira de uma terceira guerra mundial, o que sim acho é que estão sendo violadas as normas básicas do sistema internacional. Essa violação pode transformar o senhor Putin numa espécie de pária internacional. Está se usando a força dura e bruta para submeter a Ucrânia. É inaceitável que no século XXI se chegue a este nível de excessos —.

Na visão do ex-ministro das Relações Exteriores brasileiro Aloysio Nunes, “o risco de uma guerra mundial é real, porque a Rússia é um país fortemente armado e dirigido por alguém que tem muito poder interno e soube interpretar um sentimento forte na população local. O sentimento de que depois do fim da União Soviética, a Rússia perdeu peso, para muitos foi traumático”.

— Trata-se de uma potência muito forte do ponto de vista militar, presidida por um chefe de Estado que pretende restabelecer o prestígio que perdeu seu país. Hoje existe pouca margem de manobra, tudo foi longe demais. Mas na política e na diplomacia não existe beco sem saída — apontou Nunes.

Como Shannon, porém, o ex-chanceler ainda não vê uma terceira guerra mundial acontecendo, mas, ressalta, tudo dependerá das próximas ações da Rússia e da resposta da comunidade internacional. A posição da China, enfatiza Nunes, é muito importante neste momento.

Em Madri para uma série de reuniões de trabalho, o ex-chanceler chileno e ex-secretário geral da Organização de Estados Americanos (OEA) José Miguel Insulza concordou:

— Hoje vejo o conflito restrito à Ucrânia, e muita tensão no centro da Europa. Mas Putin falou [nesta quinta-feira] em armas nucleares e hoje o desfecho da crise é imprevisível.

Bombeiros controlam incêndio em um prédio após bombardeios na cidade de Chuguiv, no leste da Ucrânia Foto: ARIS MESSINIS / AFP

Bombeiros controlam incêndio em um prédio após bombardeios na cidade de Chuguiv, no leste da Ucrânia Foto: ARIS MESSINIS / AFP

Homem lamenta diante do prédio destruído por bombardeios na cidade de Chuguiv, no leste da Ucrânia Foto: ARIS MESSINIS / AFP

Homem lamenta diante do prédio destruído por bombardeios na cidade de Chuguiv, no leste da Ucrânia Foto: ARIS MESSINIS / AFP

Grupo de pessoas de regiões controladas por separatistas no leste da Ucrânia cruza a fronteira com a Rússia no posto de controle em Avilo-Uspenka Foto: OLGA MALTSEVA / AFP

Grupo de pessoas de regiões controladas por separatistas no leste da Ucrânia cruza a fronteira com a Rússia no posto de controle em Avilo-Uspenka Foto: OLGA MALTSEVA / AFP

Homem chora ao telefone ao lado de um corpo após bombardeios na cidade de Chuguiv, no leste do país Foto: ARIS MESSINIS / AFP

Homem chora ao telefone ao lado de um corpo após bombardeios na cidade de Chuguiv, no leste do país Foto: ARIS MESSINIS / AFP

Restos de um projétil em uma rua em Kiev, alvo de ataque russo Foto: SERGEI SUPINSKY / AFP

Restos de um projétil em uma rua em Kiev, alvo de ataque russo Foto: SERGEI SUPINSKY / AFP

Militares ucranianos ao lado de um veículo blindado destruído, que eles dizem pertencer ao exército russo, nos arredores de Kharkiv Foto: MAKSIM LEVIN / REUTERS

Militares ucranianos ao lado de um veículo blindado destruído, que eles dizem pertencer ao exército russo, nos arredores de Kharkiv Foto: MAKSIM LEVIN / REUTERS

Militar ucraniano segura um lançador de granadas em posições de combate fora de Kharkiv Foto: MAKSIM LEVIN / REUTERS

Militar ucraniano segura um lançador de granadas em posições de combate fora de Kharkiv Foto: MAKSIM LEVIN / REUTERS

Polícia inspeciona restos de um projétil lançado em uma rua em Kiev Foto: SERGEI SUPINSKY / AFP

Polícia inspeciona restos de um projétil lançado em uma rua em Kiev Foto: SERGEI SUPINSKY / AFP

Imagem divulgada pelo Comitê da Guarda de Fronteira da Ucrânia mostra equipamentos militares russos cruzando o posto de fronteira da Crimeia Foto: - / AFP

Imagem divulgada pelo Comitê da Guarda de Fronteira da Ucrânia mostra equipamentos militares russos cruzando o posto de fronteira da Crimeia Foto: - / AFP

Civis ficam do lado de fora de um prédio destruído após bombardeios na cidade de Chuguiv. Foto: ARIS MESSINIS / AFP

Civis ficam do lado de fora de um prédio destruído após bombardeios na cidade de Chuguiv. Foto: ARIS MESSINIS / AFP

Mulher ferida durante bombardeio da cidade de Chuguiv, no leste da Ucrânia Foto: ARIS MESSINIS / AFP

Mulher ferida durante bombardeio da cidade de Chuguiv, no leste da Ucrânia Foto: ARIS MESSINIS / AFP

Militares ucranianos se preparam para repelir um ataque na região de Lugansk, na Ucrânia Foto: ANATOLII STEPANOV / AFP

Militares ucranianos se preparam para repelir um ataque na região de Lugansk, na Ucrânia Foto: ANATOLII STEPANOV / AFP

Corpo de um soldado, que militares ucranianos afirmam ser da Rússia, é visto em uma estrada nos arredores de Kharkiv Foto: MAKSIM LEVIN / REUTERS

Corpo de um soldado, que militares ucranianos afirmam ser da Rússia, é visto em uma estrada nos arredores de Kharkiv Foto: MAKSIM LEVIN / REUTERS

Homens mobilizados para o serviço militar embarcam em ônibus em Donetsk Foto: ALEXANDER ERMOCHENKO / REUTERS

Homens mobilizados para o serviço militar embarcam em ônibus em Donetsk Foto: ALEXANDER ERMOCHENKO / REUTERS

Pessoas atravessam a fronteira entre a Polônia e a Ucrânia Foto: KACPER PEMPEL / REUTERS

Pessoas atravessam a fronteira entre a Polônia e a Ucrânia Foto: KACPER PEMPEL / REUTERS

Carros atravessam um campo para deixar a cidade de Kharkivh Foto: ANTONIO BRONIC / REUTERS

Carros atravessam um campo para deixar a cidade de Kharkivh Foto: ANTONIO BRONIC / REUTERS

Tanques ucranianos entram na cidade após o presidente russo Vladimir Putin autorizar uma operação militar no leste da Ucrânia, em Mariupol Foto: CARLOS BARRIA / REUTERS

Tanques ucranianos entram na cidade após o presidente russo Vladimir Putin autorizar uma operação militar no leste da Ucrânia, em Mariupol Foto: CARLOS BARRIA / REUTERS

Pessoas fazem fila em um caixa eletrônico depois que o presidente russo, Vladimir Putin, autorizou uma operação militar no leste da Ucrânia, em Kiev Foto: VALENTYN OGIRENKO / REUTERS

Pessoas fazem fila em um caixa eletrônico depois que o presidente russo, Vladimir Putin, autorizou uma operação militar no leste da Ucrânia, em Kiev Foto: VALENTYN OGIRENKO / REUTERS

Fuga em massa. Carros dirigem-se para a saída de Kiev após Rússia iniciar bombardeios à capital Foto: VALENTYN OGIRENKO / REUTERS

Fuga em massa. Carros dirigem-se para a saída de Kiev após Rússia iniciar bombardeios à capital Foto: VALENTYN OGIRENKO / REUTERS

Diversas pessoas com malas caminham em uma estação de metrô em Kiev. Putin anunciou operação militar na Ucrânia, com explosões ouvidas logo depois em todo o país Foto: DANIEL LEAL / AFP

Diversas pessoas com malas caminham em uma estação de metrô em Kiev. Putin anunciou operação militar na Ucrânia, com explosões ouvidas logo depois em todo o país Foto: DANIEL LEAL / AFP

Mulheres se abrigam em uma estação de metrô em Kiev. Sirenes de ataque aéreo soaram no centro da capital hoje, quando cidades da Ucrânia foram atingidas por ataques de mísseis e artilharia russos Foto: DANIEL LEAL / AFP

Mulheres se abrigam em uma estação de metrô em Kiev. Sirenes de ataque aéreo soaram no centro da capital hoje, quando cidades da Ucrânia foram atingidas por ataques de mísseis e artilharia russos Foto: DANIEL LEAL / AFP

Nuvem de fumaça preta sobe de um aeroporto militar em Chuguyev, perto de Kharkiv Foto: ARIS MESSINIS / AFP

Nuvem de fumaça preta sobe de um aeroporto militar em Chuguyev, perto de Kharkiv Foto: ARIS MESSINIS / AFP

Fumaça preta sobe de um aeroporto militar em Chuguyev perto de Kharkiv Foto: ARIS MESSINIS / AFP

Fumaça preta sobe de um aeroporto militar em Chuguyev perto de Kharkiv Foto: ARIS MESSINIS / AFP

Casal americano se abraça após cruzar a fronteira e fugir da violência na Ucrânia, em Medyka, Polônia Foto: BRYAN WOOLSTON / REUTERS

Casal americano se abraça após cruzar a fronteira e fugir da violência na Ucrânia, em Medyka, Polônia Foto: BRYAN WOOLSTON / REUTERS

A origem do conflito, analisou Insulza, é que “a Otan teme que Putin reconstrua um império perdido, e Putin se sente encurralado. O presidente russo tem muita força e vai extremar o uso dessa força”.

— Hoje, o presidente russo sabe que nenhum americano ou europeu quer ir para guerra. No curto prazo, vejo a aplicação de muitas sanções contra a Rússia. A única solução possível é um acordo de paz e segurança verificável, algo hoje impossível de ser alcançado — apontou o ex-chanceler e atual senador chileno.

Em Nova York, o centro de estudos International Crisis Group (ICG), dedicado à análise de conflitos, acredita que os EUA e seus aliados usarão, como em 2014 — na crise que terminou com a anexação da Península da Crimeia pela Rússia — o Conselho de Segurança da ONU para “envergonhar e humilhar a Rússia”.

— Nada disso vai assustar Moscou — frisou Richard Gowan, diretor do ICG para assuntos da ONU.

Ele concorda com o ex-chanceler brasileiro em que neste momento “todos os olhos devem estar na China, que vem tentando evitar fazer fortes pronunciamentos sobre a crise. A China não quer condenar a Rússia, mas países ocidentais esperam que, pelo menos, o governo chinês expresse um desagrado pelas ações de Moscou”.

O que esperam analistas russos, como Oleg Ignatov, também do International Crisis Group, é que os EUA e seus aliados imponham duríssimas sanções contra a economia russa, incluindo seus maiores bancos. Ignatov acredita que a Rússia tem reservas e recursos para resistir, mas, em longo prazo, as sanções “vão estagnar a economia do país”.

 

 

Com informações O Globo.