Vício em jogos de azar: goiano ameaçado por agiotas teve que sair do país

Antes de liberação, era proibido executar dívidas de apostas; agora, bets transferem risco para bancos, que podem buscar a Justiça

Vício em jogos de azar: goiano ameaçado por agiotas teve que sair do país
Goiano que teve que ir embora do Brasil (Foto: arquivo pessoal)

Um goiano de 29 anos chegou a dever cerca de R$ 500 mil a agiotas e a amigos por causa de bets antes mesmo de as apostas online serem legalizadas. Quem conta a história é a Folha de S. Paulo, em reportagem publicada nesta quarta (2). Tiago (nome fictício a pedido do entrevistado), contudo, contornou os débitos contraídos diretamente com os intermediadores de apostas graças à proteção do artigo 814 do Código Civil.

O jovem, contudo, permaneceu com os estigmas sociais. “Além do dinheiro, as relações que você perde não têm volta, perdi amigos importantes por causa disso.”

A situação o motivou a se mudar em agosto de 2019, com ajuda dos pais, para a Itália, onde ele pediu dupla cidadania. Em dezembro daquele ano, se mudou para Londres. Lá, o goiano, que é bacharel em direito, vive como motorista de aplicativo.

O jovem teve seu primeiro contato com o jogo a dinheiro em salões de pôquer, em 2014. Ali, dois anos depois, conheceu as bancas clandestinas de aposta esportiva, que ofereciam crédito para o apostador.

Quem arbitrava os prêmios era uma casa da Paraíba, onde o jogo é regularizado desde 1967. Um intermediário em Goiás recebia os palpites e ganhava uma comissão sobre as apostas. O saldo do jogo era cobrado ao fim da semana.

“Eu comecei apostando R$ 100 e acertei”, recorda Tiago. “É como um mosquito que te morde: você ganha uma vez e pensa que vai ganhar de novo.”

 

O então estudante se endividou na busca por ganhos fáceis com o jogo. Como resultado, o operador da banca passou a ameaçá-lo. Segundo o jovem, houve até ameaça de morte.

A banca, relata Tiago, vendeu a dívida para um policial, que prosseguiu nas cobranças. À época, ele estourou dois cartões de crédito para pagar o jogo ilegal. Como não tinha acesso a empréstimos e cheque especial, começou a mentir para pais e amigos para conseguir dinheiro.

As quantias recebidas eram usadas em apostas com as quais ele esperava conseguir quitar as dívidas, se tivesse sorte. “Quando você deve R$ 100 é uma coisa, R$ 10 mil é outra, apostar R$ 100 não resolve”, afirma o goiano que também acabou deprimido. “Perdi a fome e não conseguia dormir pensando no buraco em que me enfiei.”

Esse gatilho, segundo psiquiatras, joga os apostadores em uma espiral de perdas.

“Normalmente, os jogadores são pessoas sérias e competentes, que pedem a confiança dos amigos para emprestar dinheiro em uma tentativa sincera de resolver o problema”, diz Maria Paula Magalhães de Oliveira, psicóloga do Programa Ambulatorial do Jogo, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas.

A professora de pós-graduação em economia da Fundação Getúlio Vargas Carla Beni avalia que as dívidas causadas pelas bets devem ter um dano sobre a economia do país, além do que os dados acusam, em função dos créditos irregular e informal. “Logo depois do Desenrola, vamos precisar de um Desenrola Bet para resolver essa nova onda de inadimplência.”

Tiago contou com o socorro dos pais, que pagaram os amigos, mas se negaram a quitar as dívidas com a banca. “Envolvemos uma pessoa da família, um delegado, que fez a ligação de cortesia: ‘Deixa ele em paz’ “, diz o bacharel em direito.

“Me deixaram em paz, porque sabiam que não tinha como receber isso legalmente a não ser na base da ameaça, o risco já é calculado.”